É importante tratarmos da atuação do Maçom no convívio tanto com seus irmãos em Loja, quanto no mundo profano.
Retomemos, com este escopo e por um breve instante, a “alegoria da caverna” de Platão, a fim de concebermos o mundo material como uma caverna onde, nas trevas, estão os indivíduos acorrentados pelos grilhões da ignorância, de costas para a entrada e desconhecendo completamente o mundo externo: assim são os homens nas trevas da ignorância e presos ao obscurantismo, escravos do materialismo e portanto daquilo que há de fútil em si mesmos, em desequilíbrio frente às forças que o constituem e permitindo que sua dimensão carnal devore a sua essência espiritual, que as paixões e vícios entorpeçam a sua razão.
Aquele que busca a luz na Maçonaria, sendo livre e de bons costumes e mesmo que estando nas trevas, ambicionando a luz, tem a entrada franqueada aos nossos Augustos Mistérios.
Trata-se da busca da verdade por meio da ciência!
Operando o processo que Sócrates definiu como maiêutica (o “parto das ideias”), descartando os sensos comuns, o conhecimento vulgar, vencendo suas paixões e impondo a elas o pêndulo da razão, o Homem é capaz de libertar a si mesmo da prisão do materialismo e de um mundo pleno de ilusões.
A dor da visão acostumada com a escuridão, no contato imediato com a luz, é a dor do próprio conhecimento, proveniente da necessidade de se descartar antigas convicções, rejeitar o que é acriticamente aceito, engendrar a etapa destrutiva da maiêutica para então dar os primeiros passos da etapa da construção do saber, rumo ao mundo desconhecido, para além da caverna.
Liberto das amarras do obscurantismo, o Homem pode então vislumbrar a existência do mundo das ideias, morada do intelecto, da razão e da consciência moral e onde são concebidos os arquétipos de tudo aquilo que existe na forma justa e perfeita.
A luz, arquétipo do Bem, é manifestação do Princípio Criador-Incriado.
A tarefa daquele que, livre da ignorância do senso comum, vislumbrou o mundo das ideias e compreendeu que a matéria é ilusão, entenebrecida pela ignorância e pelos sofismas, é regressar às trevas a fim de romper as correntes que escravizam os outros homens.
Isso porque o estado de liberdade é promovido pelo intercurso da razão, pendular no equilíbrio entre as duas dimensões constitutivas da condição humana: uma irascível e carnal, outra intelectual e espiritual; uma objetiva, outra subjetiva.
O Homem em desequilíbrio, quando uma dessas dimensões se impõe à outra, é escravo de si mesmo e a isso refere a imagem do Homem acorrentado.
Pois bem, dessa alegoria podemos inferir tanto o papel do Maçom na sociedade quanto na Ordem Maçônica.
Na Ordem, o Aprendiz é recebido tal qual uma Pedra Bruta, tendo que trabalhar persistentemente suas arestas, lugares dos vícios e das paixões, sob a orientação constante do 1º Vigilante que deve guiar seus passos e exercitar suas habilidades, ensinando-lhe as tarefas dos obreiros.
Na sociedade, o Maçom deve reproduzir a Sabedoria, a Força e a Beleza que constituem as bases do Templo, guiando suas ações pela sabedoria que inventa e cria, pela força que permite suportar as adversidades e transpor barreiras, bem como pela beleza que deve adornar todos os seus atos, levando a luz àqueles que amargam a escuridão e distinguindo entre os homens aqueles que, livres e de bons costumes, ambicionam deixar as trevas da ignorância e seguir a luz da razão, animada pela moral do amor ao próximo.
Antes de qualquer coisa, é dever do Maçom, em sociedade ou em Loja, tornar-se Mestre de si mesmo, até que possa ser Mestre de outrem.
Vencer suas paixões e submeter sua vontade na vida profana, exercitando suas virtudes maçônicas num mundo eivado de ódio e contradições, é o mais árduo dos desafios e, quem o vence, vence a si mesmo e o que de profano existe em si, podendo iluminar com suas virtudes aqueles que estão ao seu redor e almejam também virtudes.
O caminho do sábio é o caminho do Mestre, encarregado do ensino das virtudes maçônicas aos aprendizes que, como ele, um dia almejaram deixar as trevas da ignorância, do materialismo e dos vícios terrenos.
O objetivo final é portanto o domínio e a manipulação do material humano e que explui de três fontes principais: o desejo, constituído pelo apetite, impulso e instinto; a emoção, constituída pelo entusiasmo, ambição e coragem, tratando-se da ressonância orgânica da experiência e do desejo; e o conhecimento, constituído pelo pensamento, inteligência e razão.
Sendo uma das divisas da Maçonaria a igualdade, concebe ela o mesmo indivíduo como portador das três dimensões aqui descritas, sendo aquele virtuoso o que reina sobre si mesmo, colocando suas distintas dimensões constitutivas em equilíbrio, tendo como pêndulo a razão orientada por uma moral sã.
As ruínas advêm dos extremos, dos excessos; logo, a estabilidade é proveniente do equilíbrio, vencendo-se as paixões e aprimorando-se as virtudes, como nos ensinam as lições do Aprendiz Maçom, determinando que devemos trabalhar, do meio-dia à meia-noite, desbastando a Pedra Bruta que somos, em busca de sermos senhores de nós mesmos.
Texto do Ir:. Rodrigo Medina Zagni (M:. I:.)